quarta-feira, 23 de julho de 2008

Crimes de Corrupção Ativa, Corrupção Passiva e Concussão ?

Lobby de US$ 260 milhões

Relatórios da PF acusam grupo de Greenhalgh, ligado a Dantas, de cobrar para viabilizar supertele


Relatórios do Serviço de Inteligência da Polícia Federal, aos quais O GLOBO teve acesso, apontam que o grupo de lobistas suspeitos de ligação com o banqueiro Daniel Dantas — integrado, segundo a PF, pelo ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalghexigiu em março deste ano (2008) US$ 260 milhões para viabilizar a criação da supertele (fusão entre a Brasil Telecom e a Oi, que foi assinada em abril de 2008) junto ao governo federal. O dinheiro seria usado posteriormente para a formação de “caixa dois” para campanha eleitoral, acusa a PF. O grupo, segundo o relatório, tinha acesso à ante-sala da Presidência da República, passava por ministros, deputados e senadores.

Na sexta-feira (18/07/2008), antes de deixar o caso, o delegado Protógenes Queiroz determinou, no relatório final da Operação Satiagraha, a abertura de inquérito específico para investigar a participação de Greenhalgh e também do publicitário Guilherme Henrique Sodré, o Guiga, na suposta quadrilha encabeçada por Dantas. Em 175 páginas, o relatório detalha a participação de 13 pessoas, todas indiciadas por gestão fraudulenta e formação de quadrilha, no esquema de Dantas.

PF: valor foi cobrado de Citi e Opportunity

“É nele (Dantas) que se concentram todas as decisões em se tratando de estratégias, investimentos, aporte de recursos ou qualquer saída dos respectivos caixas do Grupo Opportunity, utilização do mercado paralelo de moeda estrangeira, habituais e sucessivas transferências de cotas societárias entre a cúpula do grupo”, diz o relatório de Protógenes, que cita Greenhalgh como integrante “de um escalão especial” do grupo do dono do Opportunity.

Os US$ 260 milhões cobririam o “custo” para o “trabalho” de tráfico de influência para viabilizar a criação da supertele — que ainda depende de mudanças na legislação em vigor. Segundo a PF, Opportunity e Citi deveriam arcar cada um com US$ 130 milhões. Em uma conversa telefônica grampeada, dia 26 de marçode 2008, entre Greenhalgh e Humberto Braz (braço direito de Dantas, que está preso), a PF constata que a proposta pendente era do Citi, que envolvia um terço do valor da Telemig. Seria “o equivalente a US$ 110 milhões, mas os lobistas insistem em receber do Citi a quantia de US$ 130 milhões para conseguir a efetivação do negócio junto ao governo federal, chegando à diferença de US$ 20 milhões”, segundo análise policial.

A divergência para a efetivação do acordo não estava no valor do negócio, acertado em US$ 6,7 bilhões, e sim em quanto cada parte interessada estaria disposta a pagar para a criação da supertele. A PF diz que os US$ 260 milhões “possivelmente irão constituir caixa 2 de alguma campanha eleitoral”. O relatório, de março, frisa ainda que, como não existe na legislação autorização para a fusão das operadoras de telefonias envolvidas, “os lobistas estão atuando para que o negócio, que já se concretizou de fato, seja autorizado pelo governo federal como de direito e, para isso, cobram o seu preço”.

Em outras gravações, Greenhalgh, Braz e Guilherme Sodré — classificados pela PF em outro relatório como o trio encarregado dos lobbies junto ao governo — citam nomes poderosos: a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (identificada como Margaret, em alusão à dama-de-ferro Margaret Tatcher), o ministro da Integração Regional, Geddel Vieira Lima, e o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho.

Em um diálogo monitorado pela PF, dia 13 de março de 2008, Greenhalgh diz a Braz que recebeu um recado de Dilma, com referência à venda da Br Telecom: “Diga ao Greenhalgh que eu não quero falar sobre o assunto, que o governo já se meteu demais sobre esse assunto. Esse assunto é para morrer mesmo”. Nos encontros que o grupo diz ter tido com a ministra, a PF registrou que checou a agenda de Dilma: ela estaria livre nos momentos citados pelo petista.

Os relatórios também indicam que o grupo afirma ter sido informado pelo senador Heráclito Fortes (DEM) de que, embora seja da oposição, ele foi a plenário defender a ministra dos ataques por causa do chamado dossiê FHC, alvo de ataques contra Dilma na época. O senador teria defendido a ministra a pedido do grupo de Dantas.

Na mesma análise em que aponta o suposto dinheiro para caixa dois, a PF afirma que “não há como afirmar a existência de autoridades federais (com foro privilegiado) envolvidas, por isso, até o momento, os lobistas estão vendendo aos interessados pelo negócio possível e pretendem atuar como tráfico de influência de ministros de Estado, talvez com a participação de deputado federal ou senador da República, que não são objeto dessa investigação”. A afirmação “não são objeto dessa investigação” aparece em negrito. Caso um dos investigados fosse autoridade pública, a investigação não poderia mais ser tocada sem autorização prévia do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em seus relatórios, a PF diz que Greenhalgh, Braz e Sodré devem ser acusados pelo menos por formação de quadrilha e tráfico de influência e, futuramente, por corrupção. Greenhalgh tem alegado que presta serviços advocatícios para Dantas, mas segundo a PF, “os serviços prestados a Daniel Dantas passam longe da assessoria jurídica (...) é provável que exista um contrato de prestação de serviços advocatícios para justificar os pagamentos que recebe”. O petista foi procurado pela reportagem ontem, para falar sobre o caso, mas não respondeu aos pedidos de entrevista.

Fonte: Folha de S. Paulo (somente o texto)

Legenda:

Concussão, de acordo com o descrito no Código Penal Brasileiro, é o ato de exigir para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida.

Corrupção passiva é um dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral.

O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 317, define o crime de corrupção passiva como o de "solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem."

Corrupção Ativa consiste no ato de oferecer, (esse oferecimento pode ser praticado das mais variadas formas) vantagem, qualquer tipo de benefício ou satisfação de vontade, que venha a afetar a moralidade da Administração Pública. Só se caracteriza quando a vantagem é oferecida ao funcionário público. Caso haja imposição do funcionário para a vantagem oferecida, não há corrupção ativa e, sim, concussão. No caso de um funcionário público propor a vantagem, é desconsiderada a sua condição, equiparando-se a um particular. Não há modalidade culposa.

Forma qualificada - em razão da oferta, o funcionário realmente retarda ou omite ato de ofício, ou realiza ato infringindo o seu dever. Observe que se há ação efetiva, mas de ato de ofício, o tipo atribuido será no "caput" e não na forma qualificada.

Sujeira no "ar"


Lula agora exige 'restauração' da hierarquia na PF

Afastado do comando da Operação Satiagraha, o delegado Protógenes Queiroz deixou no inquérito que traz a sua assinatura um legado de problemas para o governo.

O principal deles é a aura de suspeição que Protógenes acomodou ao sobre um negócio caro ao governo: a fusão da Brasil Telecom e da Oi.

A transação, ainda pendente de acertos legais, dará origem a uma supercompanhia telefônica de capital nacional, que tem as bênçãos de Lula.

Entre quatro paredes, o presidente revela-se inconformado com os procedimentos adotados por Protógenes na condução das investigações.

Diz que o delegado subverteu a hierarquia da Polícia Federal, sonegando de seus superiores detalhes cruciais da investigação.

Revela certa inconformidade com a parceria que o delegado estabeleceu com a Abin de Paulo Lacerda, à revelia da cúpula da PF.

Nas palavras de um assessor do presidente, “é preciso restaurar a ordem, em nome da preservação da imagem da Polícia Federal.”

Na visão do presidente, revelada ao blog pelo auxiliar que priva de sua intimidade, as prioridades de Roberto Saadi, o delegado que substituiu Protógenes, são as seguintes:

1. “Restaurar o respeito à hierarquia na Polícia Federal”;

2. “Sanear o inquérito, retirando dele as ilações infundadas do delegado Protógenes”;

3. “Acrescentar aos indícios revelados pelos grampos telefônicos provas capazes de levar Daniel Dantas a uma condenação judicial.”

De saída, as preocupações de Lula resultaram num reforço da equipe que cuidará da análise do material recolhido em 58 batidas de busca e apreensão.

Destacaram-se para a missão cerca de 50 agentes federais. É um dos maiores contingentes já reunidos pela PF em torno de uma investigação.

Uma forma de neutralizar a acusação de Protógenes, formalizada em representação ao Ministério Público, de que o trabalho de investigação estaria sofrendo um boicote.

O desafio que se auto-impôs o governo é o de convencer o Ministério Público de que nem todas as “ilações” de Protógenes encontram correspondência nas provas.

Parte-se do pressuposto de que o delegado “exagerou”, por exemplo, ao empurrar o “problema” Daniel Dantas para as cercanias do gabinete de Lula.

Nesse ponto, entram as preocupações do Planalto com o negócio que envolve a viabilização da supertele.

Em relatório datado de 26 de junho, o delegado Protógenes, agora dedicado exclusivamente a um curso de aperfeiçoamento, arrastara para o centro da encrenca do Opportunity a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).

Anotou que o ex-deputado petista Eduardo Greenhalgh valera-se de sua influência no Planalto para exercer “tráfico de influência” e “lobby” em favor da venda da Brasil Telecom para a Oi.

Eis o que diz um trecho do texto escrito por Protógenes: "Devido à sua condição anterior de ex-deputado federal e membro do PT [Greenhalgh], freqüenta a ante-sala do gabinete da Presidência da República...”

Busca “...apoio para negócios ilícitos do grupo [Opportunity], notadamente no gabinete da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e do chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho...”

Mais: “Convém mencionarmos que a fusão entre a Brasil Telecom e a Oi, efetuada recentemente, foi objeto de diversas tratativas entre os integrantes da organização criminosa.”

O delegado chegou a pedir a prisão de Greenhalgh, negada pelo juiz Fausto de Sanctis.

Protógenes chegou a contabilizar as tentativas de assédio do ex-deputado petista em favor do negócio no Planalto: quatro vezes.

Protógenes avança no juízo de valor. Classifica a intervenção de Greenhalgh como "fundamental na criação da supertele, gentilmente elogiada por todos do grupo, em especial pelo cabeça da organização, Daniel Dantas".

Dantas figura na transação como beneficiário de um pagamento de cerca de R$ 1 bilhão. Cifra recebida para que concordasse em deixar a composição societária da Brasil Telecom.

A exclusão e Dantas é algo que o governo vinha tentando desde 2005. Nos subterrâneos, ao se justificar perante amigos do PT, Greenhalgh diz que não fez nada condenável.

Ao contrário. O ex-deputado petista julga ter contribuído para viabilizar algo beneféfico ao país, ao contribuir para o desembarque de Daniel Dantas da BrT, viabilizando a efetivação do negócio da supertele.

Uma transação que ainda depende de ajustes legais. O Plano de Outorgas da telefonia, editado sob FHC, proíbe que uma mesma operadora exerça o controle de mais de uma área de concessão no país.

A Anatel topou mudar as regras. Abriu uma consulta pública que expira em 1º de agosto. Depois disso, o ministério das Comunicações terá de redigir um novo texto.

Será enviado a Lula, a quem cabe dar a palavra final sobre a alteração. Daí o receio do presidente. Ele não quer apor sua assinatura a um documento que venha a ser tisnado como produto de lobby espúrio.

Como se vê, não é simples a tarefa do delegado Saadi, substituto de Protógenes. Antes de provar as culpas de Daniel Dantas, terá de demonstrar que o colega que o antecedeu cometeu excessos. Precisará ser convincente, uma vez que seu trabalho é supervisionado pelo Ministério Público.

Disso depende a efetivação da supertele. Uma companhia que, se viabilizada, terá 49,8% de seu capital controlado pelo governo, por meio do BNDES e dos fundos de pensão de empresas estatais.

Fonte: Blog do Josias